Catedrais de Cor
Ângelo Milani nasceu em 1958 no Paraná. Iniciou sua formação educacional em Curitiba que foi concluída mais tarde no Rio de Janeiro, transferindo-se a seguir para São Paulo. Desde então, vem participando de significativas exposições de arte, no Brasil e no exterior. Atualmente seu trabalho integra o acervo de importantes museus nacionais e internacionais.
Pintor e escultor desenvolve há anos uma poética visual baseada em linguagem plástica contemporânea que se situa nos limites entre a figuração e a abstração. Desta maneira, compõe figuras que pertencem a um mundo único, de pura invenção, por meio da confecção, pintura e articulação de grandes peças que formam complexos e surpreendentes conjuntos tridimensionais. Para tanto, pesquisa incansavelmente combinações inusitadas entre formas de contornos irregulares e cores dos mais diversos matizes, até obter um sutilíssimo resultado harmônico.
Esses recortes, no entanto, constituem e etapa final de um longo processo de trabalho que se originou em suas antigas pinturas. Tudo começou quando certo dia, ao observar uma delas, teve a idéia de copiar e transferir alguns detalhes para outras telas. Foi então que passou a pintar pedaços de tecido que, colados em outros suportes passavam a fazer parte de novas obras. Procedimento semelhante foi por ele utilizado mais tarde durante uma exposição internacional no México, quando se aproveitando dos refugos desprezados pelos demais artistas, realizou o seu próprio trabalho.
Nas suas primeiras criações, as influências da escola abstracionista são facilmente percebidas. As imagens guardam certa familiaridade com as formas flutuantes de Kandinsky e também referências ao renovador e mágico imaginário de Klee. Depois, apareceram sinais que demonstram diálogo com as sínteses formais de modernos como Arp e Miro, e com os cromatismos dos contemporâneos Saint Falle e, principalmente, Karel Appel. Sem contar uma provável herança ancestral na utilização de cores fortes, característica da pintura produzida em regiões relacionadas à sua ancestralidade norte-européia.
Entretanto, os indícios de todas esses componentes muitas vezes ficam ocultos no resultado final de trabalho. Um estudo mais acurado da obra pode evidenciar os sinais de sua presença e também indicar pistas de antigos conhecimentos e experiências de outras épocas. Isto porque, ao contrário do que ocorre com muitas profissões, a formação artística não depende exclusivamente do que se ensina nas instituições educacionais. Em razão disso, o profissional de artes somente estará apto a exercer o seu ofício depois de muitas vivências em muitas áreas às vezes de naturezas bem diversas.
Ângelo Milani completou brilhantemente o curso de engenharia, mas logo a seguir deixou corajosamente de lado as certezas de uma carreira segura para enfrentar a aventura plena de riscos do fazer criativo, firmemente determinado a dedicar-se integralmente à sua verdadeira vocação de artista plástico. No entanto, depois de muitos anos, ainda é possível apreciar no seu trabalho muito do que foi aprendido nesses primeiros estudos aparentemente tão distantes da arte. Principalmente no que se relaciona à prática do raciocínio espacial para a construção de objetos e ao cuidado com o bom acabamento de suas obras, pois em tudo o que faz está sempre presente a intenção de realizar algo nada frágil ou efêmero, mas muito duradouro. É por isso que, nos seus trabalhos de arte pública, que devem ser alocados em ambiente exterior naturalmente sujeitos a todo tipo de democráticas interferências e intempéries, vem utilizando materiais de maior resistência, como cerâmica e concreto.
Por outro lado, também preocupado com a perenidade da criação destinada aos interiores, monta as peças de madeira procurando as soluções mais adequadas e seguras, sem nunca perder de vista o objetivo final estético.
Além do que, a decisão de fixar as partes umas às outras, não é um gesto impensado, impulsivo, mas sim o resultado de centenas de seções de experimentação, que dificilmente seria atingido em virtude de ensaios auxiliados somente pela tecnologia digital, pois dependem, antes de mais nada, da intuição artística e do sugestivo manuseio do material.
Durante esse processo de criação que, inclui acréscimos e retiradas de matéria, deve-se levar em conta também a importância dos vazios. Os interstícios, as concavidades, os ocos, são elementos de composição tão valiosos quanto sua contra-parte, os espaços preenchidos. Há razões históricas para crer que o fato de considerar o seu inegável papel de interação e de expressividade, provavelmente tenha sido o acontecimento mais importante da escultura moderna, fator que a distingue com clareza de todas as demais criações do gênero produzidas desde a antiguidade.
Transitando em meio às partes deste grande quebra-cabeças, onde as peças não precisam ser encaixadas a partir do contorno, mas sim de seus elementos plásticos intrinsecamente relacionados, o artista constrói um novo mundo. E, ao mesmo tempo, desmonta o princípio dos jogos de armar, cujo objetivo se reduz ao inevitável e limitado resultado de uma única imagem final. Agora, como num puzzle ao avesso, ele pode aproveitar-se até de fragmentos de trabalhos anteriores, para operar novas transformações e assim obter resultados mais diversos e, portanto, infinitamente mais criativos.
As formas serão então colocadas de acordo com os princípios estéticas de equilibro de massas, de pesos e contrapesos, como se estivessem em balanças imaginárias, formando uma estrutura que se sustenta tanto por sua robustez quanto por sua delicadeza, seguindo talvez os mesmos princípios de construção das antigas catedrais.
Nas superfícies, não existem texturas propositais. Elas surgem na medida em que as camadas de tinta vão recobrindo as partes, na incessante e difícil busca de uma harmonização geral de todos os tons. Nos trabalhos mais recentes, a estrutura tem recebido o acréscimo de um retângulo de alumínio exterior que, alem de intensificar a individualidade de cada obra, direciona a correta posição para uma fruição mais próxima do conceito original de sua concepção.
Assim, cores e fragmentos posicionados em espaço agora delimitado por uma moldura de função quase neutra, propõe uma dinâmica própria para cada conjunto. E contribuem muito para sublinhar as intenções primordiais do artista de conduzir o espectador a apreciar e conviver com um objeto novo. Que certamente o induzirá à percepção de novos significados para seu velho ambiente, proporcionando um novo vigor para sua vida e sensibilidade.
Nelson Screnci
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