- Visite o site oficial do artista
- A RESTAURAÇÃO DE UMA AUSÊNCIA
ELOGIO DA MEMÓRIA - Rian Fontenele
Na literatura ou na mitologia, nem Homero, o poeta, provavelmente cego, nem Tirésias, o adivinho de Tebas, traduziram tão profundamente o universo das sombras quanto Jorge Luis Borges. Em toda sua vida e obra, o poeta argentino tratou da progressiva cegueira como quem abre a casa para a chegada da noite. E os labirintos das ruas e das bibliotecas foram inundados pelas mesmas sombras que abriam portas para memórias e descobertas.
O estudo das sombras no universo pictórico de Rian Fontenele alcança essa poesia. Partindo do enigma borgiano do qual sua sensibilidade se nutre, a sua poética é a do sonho e da memória, e cada cena pintada é como a lembrança de algo que foi ou poderia ter sido. Em seus quadros, a aparição de figuras e objetos em primeiro plano, como num teatro onírico onde a luz é a abstração, dialoga permanentemente com os sentidos da recordação. Cada parte do mobiliário ou de um gesto é uma ponte para as vozes que parecemos escutar. Silhuetas de homens, mulheres, pássaros, crianças, assim como as sombras dos balanços de um parque e das mesas e cadeiras de uma casa, brindam as paredes, mas não inutilmente.
Dar nome a um quadro também é nomear um instante, e todo instante é a eternidade. Talvez por isso o batismo desse conjunto de pinturas - mais que sua inspiração noturna - remeta-nos também àquela composição musical que Chopin eternizou. Há partituras de silêncios e harmonias em cada um desses quadros, e disso se depreende a sensação de transcendência que a verdadeira arte inspira. Assim como na poesia da palavra há ritmo e melodia, na poética das formas canta a música da luz. O mistério que divide as canções de afastamento ou a alegria de uma menina em alvoroço atestam uma mesma percepção.
A leveza da sombra é a melhor tradução para essas imagens que são memória e sonho, desejo ou recordação. Ao observá-las, parece-nos que esses poemas visuais carregam em si, além da poesia intrínseca que sustenta o peso da luz, um álbum de sensações que também são nossa identidade. Mas que verdades ou miragens deflagraram essas manchas? Que luz ou realidade, abraçando esses corpos, provocou suas sombras? Creio que tais perguntas são respondidas por cada observador que preenche com a imaginação o diálogo das sombras nesses quadros. Aqui estão as saudades de cada um, os momentos vividos, os sonhados, e até o que foi eternizado pelo esquecimento. “Vivo entre formas luminosas e vagas que não são ainda a escuridão”, Borges escreveu. Eis a tradução de certas lembranças. Eis a eternidade de todas as sombras.
Weydson Barros Leal
ABCA - Associação Brasileira de Críticos de Arte
IN PRAISE OF MEMORY
In literature and mythology, neither the poet Homer (probably blind) nor Tiresias, the blind prophet of Thebes, so fully translated the universe of shadows as Jorge Luis Borges. Throughout his life and work, the Argentine poet treated his progressive blindness like someone who opens his home to the arrival of night. And the maze of streets and libraries were flooded by the same shadows that opened doors to memories and discoveries.
The study of shadows in the pictorial universe of Rian Fontenele achieves this poetry. It is in Borges’ enigma where his sensibility finds inspiration. His poetry is that of dreams and memory and each painted scene is a reminder of something that once was or could have been. In his paintings, the apparition of figures and objects in the foreground, like a dream theater where light is abstraction, continually dialogs with the senses of recollection. Each piece of furniture and every part of a gesture is a bridge to the voices we seem to hear. Silhouettes of men, women, birds, children, the shadows of a swing in a park or even table and chairs in a home, toast the walls, but not without purpose.
To name a painting is also to name an instant and every instant is an eternity. Perhaps that is why the christening of this body of work – more than its nocturnal inspiration – also takes us back to the musical composition eternalized by Chopin. There are scores of silence and harmonies in each of the paintings, which leads us to the transcendental state that only true art inspires. As found in written poetry, there is rhythm and melody; in the poetry of forms, sings the music of light. The mystery that divides songs of separation and the joy of a girl in commotion attest to the same perception.
Lightness of Shadow is the best translation for these images, which are memory and dream, desire and recollection. Besides the intrinsic poetry that supports light, these visual poems seem to offer an album of sensations that are also our identity. What truth or mirages did these patches of paint unveil? What light or reality embracing these bodies cast their shadows? I believe each observer who uses the imagination to complete the dialogue of the shadows in these paintings will encounter answers to such questions. Here we find the longing of every individual, the lived moments, dreams and even that which was eternalized by oblivion. “I live between luminous forms and spaces that are not yet shadows”, wrote Borges. Here is the translation of memories. Here is the infinity of all shadows.
Weydson Barros Leal
ABCA - Brazilian Association of Art Critics
|
Clique sobre o quadro para ver imagem ampliada. |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|