Vik Muniz the Thinker

Vik 1
Ao separar dois homens que brigavam, Vik Muniz levou um tiro do homem que procurava ajudar. A bala rompeu a artéria femoral. Baixou hospital. No dia seguinte o atirador apareceu arrependido e para dar um jeito no mal feito. Ofereceu a Muniz uma compensação em dinheiro. Vik que não que não era bobo, aceitou.
Foi com esse dinheiro que foi para os Estados Unidos. Good morning, thank you, I love you e mais meia dúzia de palavras era tudo que sabia de inglês. Com a cara e a coragem foi para Chicago. Para a casa de primos. Isso foi em l983.Naquela época seu interesse maior era o teatro. À medida em que a grana ficou curta teve que se virar. Com o Brasil não podia contar . O pai garçom, a mãe telefonista não tinham como ajudá-lo. Passou por tudo que costumam passar brasileiros que se aventuram a viver nos Estados Unidos o American Dream. Cedo descobrem que de cor de rosa o sonho não tem nada. E que a Disneyland não existe;
Para comer chinese food, pizza e hamburguer do McDonald's precisam rebolar muito. Dar duro sete dias por semana. Feriados inclusos. Vik fez parte da grande legião de frentistas, faxineiros, empacotadores , babás de cachorros, balconistas, entregadores de pizza, de jornal, de droga em domicílio, fauna estranha e sofrida.
A maioria sem visto de permanência, sonhando com um green card , cartão verde que lhes dá cidadania, que lhes abre o caminho como a luz verde do semáforo. Vik viveu um ano em Chicago. Em 84 foi para New York. E vive lá até hoje. Dos muitos sub empregos que teve , um foi marcante. Uma molduraria. Emoldurava o que lhe pedissem para emoldurar. Pinturas, gravuras, desenhos , fotografias. Em suas exposições pode-se observar que seus trabalhos primam pela simplicidade e beleza das baguetes e dos passe-partout. Coisa de quem entende do negócio. De quem tem know-how.
Pois bem. Foi nessa molduraria que Vik teve o estalo. Quando soube que as horríveis pinturas que emoldurava eram vendidas por 200 dólares, decidiu que podia fazer melhor. E fez. Foi assim que começou a carreira desse artista que hoje aos 39 anos, tem obras nos mais importantes museus de New York, está representando o Brasil na 49ª Bienal Internacional de Veneza, com trabalhos da série Pictures of Colour que se pode ver também na galeria Camargo Vilaça na madalena.
De volta aos tempos da molduraria, paralelo às pinturas kitsch que fazia para ganhar uns cobres a mais, começou a fazer esculturas, estranhas e incomuns. Foram essas esculturas que abriram-lhe as portas do circuito de arte nova-iorquino. Fotografá-las para poder mostrá-las a possíveis interessados, levou-o à fotografia. Basicamente, a grosso modo , esse é o percurso do artista que hoje ocupa em São Paulo três importantes espaços do circuito artístico : Instituto Cine Cultural, recém aberto, galeria Camargo Vilaça e Museu de Arte Moderna. Nada mal para quem enchia tanque de gasolina , pregava moldura .

Vik 2
A volta de Vik Muniz a São Paulo com suas três exposições parece coisa de americano. Jogada de marketing, com jeito de Hollywood. Coisa de cinema. Aliás, sua vida e seu sucesso dariam um bom roteiro de cinema. Acredito que mais interessante e emocionante do que o de Pollock.
Um paulistano da Lapa, que cursava publicidade na FAAP, leva um tiro, vai aos Estados Unidos, e l8 anos depois está no MoMA, no Metropolitan, no Guggenheim, no Whitney.
Não sei se Vik naturalizou-se norte-americano. Se não o fez, conseguiu fato inédito ao ter uma individual nesse último museu. Que se saiba o Whitney até então era restrito aos jovens artistas da terra, norte-americanos.
O que importa é que Vik Muniz emplacou o Whitney. Em Pictures of Dust, Vik deu continuidade e nova cara a idéia de Duchamp e de Man Ray em Elevage de poussière, realizado em l920, na Upper Broadway em New York. Durante um ano e meio a poeira acumulou-se sobre o vidro em que Marcel pintara La Mariée mise a nu par ses celibataires, même. A poeira deu à pintura uma pátina amarelo esverdeada. A intenção de Duchamp era eliminar a poeira, mas Man Ray não deixou. Além da poeira , pequenos pedaços de algodão, de guardanapos de papel, usados para limpar algumas partes da pintura, fazem parte da obra.
Vik não precisou esperar 18 meses para utilizar a poeira para a releitura das obras dos minimalistas expostos no Whitney . O Whitney providenciou para que todo pó recolhido pelos aspiradores na limpeza das áreas de exposição, fosse encaminhado para Vik. Matéria prima não faltou. Restos indesejáveis como cabelo de todas as cores e consistência, fragmentos mínimos de pintura de obras expostas, sujeira das ruas, faziam parte da poeira museológica. Havia dias em que era limpa. Clara. Outras, escura, suja. Com máscara antipoeira e luvas plásticas, a principio com nojo, depois acostumado com " o material de trabalho", Vik diligentemente aplicou a poeira às imagens e fotografou-as depois. Em suma, é isso.
Segundo declarações de Muniz, à revista francesa, art actuel, a idéia de trabalhar com a poeira nasceu da leitura de um texto de Italo Calvino. Ultimamente Calvino tem inspirado muita gente. Tem servido de muleta . Não é o caso de Muniz. Li em entrevista ao IG que Vik considera sua formação européia e norte-americana. Não vi nada de europeu em seu trabalho. De americano sim, até demais.
Acho que Muniz está mais para Andy Wharol do que para Duchamp, para Man Ray. A influência dos dois últimos manifesta-se as vezes no modo de pensar, no conceber. Mas na realização, Wharol fala mais alto. Isso não é mau. É melhor ser influenciado pelos melhores do que por um joão ninguém.
A cabeça de Vik , sua fabulação, sua memória visual, seus ícones , seu approach é norte-americana. Seu ponto de partida nos Estados Unidos foi The Best of LIFE, publicação que reúne as melhores fotos publicada pela revista. As imagens de que se apropriou e recriou são antológicas. Fazem parte da memória visual do mundo. A escolha não poderia ser melhor. Verdadeiro ovo de Colombo. Fácil, fácil, mas, ninguém conseguiu pô-lo de pé, antes. Vik, conseguiu. Da Life ao Whitney o percurso de Muniz foi natural. Trabalho e persistência, sorte e claro criatividade a mil.O resultado está aí. Nas três exposições.

Vik 3
A rigor Vik Muniz não é um fotógrafo. Encará-lo como tal é erro grave. Vik usa a máquina fotográfica, a fotografia, mas ambas para ele não passam de meios para transmitir suas idéias, provocar o espectador, criar climas, enigmas , charadas, verdadeiros jogos de esconde-esconde. Cabe a cada um descobrir no labirinto construído por Vik as possíveis saídas. Para Vik, a fotografia não tem nada a ver com Cartier Bresson, Helmut Newton, Sebastião Salgado. A leitura é outra.
É preciso não esquecer que seu livro de cabeceira , lido e relido, foi sobre percepção visual, de James Gibson. Hoje, Ítalo Calvino faz parte de sua leitura cotidiana. Freqüentador assíduo dos museus e galerias de New York, Muniz incorporou aos seus desenhos, fotografias, linguagem em que a cultura erudita e a popular, ombreiam-se.
Fez o mesmo com técnicas e materiais. Usar serragem, açúcar, não importa se em pó ou granulado, areia, lixo, não é novidade. Qualquer pessoa bem informada, sabe que Picasso e Braque por volta de l9l2 em Paris, utilizaram esses materiais. Outros, como palhinha de cadeira, papel de parade, jornais, também foram incorporados pelos dois.
Vik usou açúcar, chocolate, especiarias, lixo, gel, mel, poeira e outros elementos que seria cansativo enumerar. Só que a utilização difere em gênero, número e grau dos dois cubistas. O lixo, o chocolate, o açúcar, o tempero, , possuem significados próprios. Inerentes à condição de resíduos, coisa sem valor, rejeitada, doçura, ardência, sabor. A metáfora fica clara quando fazem parte, complementam imagens de meninas de rua, crianças que trabalham em plantações de cana de açúcar no Caribe, de Liz Taylor.
Ao mesmo tempo em que emprega os mais inusitados materiais como o gel, óleo de cozinha, para recriar o céu da série Pictures of Air, o resultado do produto final, a foto, é muito sofisticado . De última geração. Do desenho, da Polaroid chega a digitalização, ao cibachrome. Vik Muniz é um artista que pensa. Hoje em dia isso é raro. Nice to meet you, mister Muniz
Na noite do vernissage de Ver para Crer, alguns trabalhos me chamaram a atenção. Em especial alguns desenhos: cinzeiro com um cigarro aceso, balde furado, vestido curto em cabide. Vejo minhas anotações e as imagens de Freud, da Santa Ceia, da Mona Lisa,. Do Papa João Paulo 2º, do Empire States, do Polo Sul, de notícias falsas, em que Muniz goza até mesmo seu curador, Charles Ashley Stainback, nomeando-o embaixador dos Estados Unidos no Paraguai , fazem-me refletir sobre essa instigante e provocante exposição.
Atenção!!! Não se iluda com meu texto. Se você não tem o mínimo de informação sobre o que você vai ver, desista. Vai boiar. Vai perder o que não está explícito. Essa não explicitação é o que de melhor existe. Nas três exposições que estão ao alcance de seus olhos , como disse o curador citado, " não basta ver para crer". Fique atento. Ligado. De olhos bem abertos. Assim você poderá sacar as entrelinhas . Mas não confunda sacar com entender. Aqui não se trata de entender. Sim de captar.


Carlos von Schmidt/cvs 7/2001