Dionisiacas
|
Sobre o Carnaval
A inversão carnavalesca brasileira se situa como um principio que suspende temporariamente a classificação precisa das coisas, pessoas, gestos, categorias e grupos no espaço social, dando margem para que tudo e todos possam estar deslocados. É precisamente por poder colocar tudo fora de lugar que o carnaval é com freqüência associado a "uma grande ilusão" ou, "loucura". A transformação do carnaval brasileiro é, pois, aquela da hierarquia cotidiana na igualdade mágica de um momento passageiro.
Assim o carnaval permite a transformação das empregadas domésticas (de fato, essas escravas da casa e da família) em sambistas experientes, podendo despertar a inveja das suas patroas. Não, evidentemente, a inveja pequeno-burguesa do dinheiro ou da inconsciência política, mas a inveja da alegria, da vontade de viver, de uma energia e generosidade inesgotáveis que nem o trabalho em condições miseráveis consegue liquidar. Do mesmo modo, o mulato anônimo da fábrica se revela excelente passista ou músico. Nosso mundo, assim, consegue por alguns instantes (dias, horas) determinar-se e hierarquisar-se não só pelo bairro, dinheiro, carros, educação, roupas e família, mas também em termos de um eixo de pessoas que pode expressar controle e domínio do corpo. Um eixo, sobretudo estético, pessoal e obviamente fugaz, marginal e compensatório.
Extraído de "Carnaval, malandros e heróis"
Para uma sociologia do dilema brasileiro
De Roberto da Matta
|
|
|