Matérias e Críticas
A LETRA DESCALÇA
ANTONIO HOHLFELDT
A letra descalça é fiel ao seu título. Antes de mais nada, porque
é um livro absolutamente orgânico, como bem o demonstram o primeiro e
último poemas, que funcionam como espécie de chave para todo o volume.
Depois, porque se trata de um livro para ser lido em voz alta ou ser dito
a ouvintes. Porque a oralidade é seu forte, até mesmo nos elementos lúdicos
que aborda e desenvolve, em alguns momentos na melhor tradição do
concretismo dos anos 50, ou mesmo nos pequenos poemas que redimem o humor
em poesia.
0 elemento mais positivo deste livro, contudo, é a exploração que o poeta
realiza sobre a palavra - seja na composição de termos com novo sentido
("pois ia = poesia"), seja na utilização muliidiomática de "Minguante",
por exemplo, em que se explora a imagem das palavras "lua" e "moon".
Ou, então, quando se evidencia, criativamente, o sentido mágico-racional da
expressão "abracadabra", na medida em que se decompõe e recompõe a palavra,
esclarecendo seu sentido revelador de algo até então velado.
A influência da reflexão, aliás, é sem dúvida o esteio criativo do poeta,
capaz de buscar nas raízes significativas das palavras a base para a sua
criação, de maneira que, embora formalizada, sua poesia não se torna
artificial. Mas, sim, espécie de quebra-cabeça provocativo ao leitor,
capaz de encontrar as sugestões e completá-las.
(ISTOÉ, 25 de setembro de 1985)
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