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Investigação do Olhar LIGAÇÃO Peço a obscura religião dos pássaros ou o inexplicável talento para a tristeza destas praças. E choraremos juntos na tarde culpada enquanto o sol morrer em nossas pálpebras e a noite, inimiga e doce, vier comer nossa memória. CANTO DE RECEPÇÃO No dia do retorno estarei mansamente aqui e meus olhos se abrirão como pétalas para teu perfil desconhecido. Lerei estranhas páginas de esquecimento e, passante, deflagrarei as palavras com que saudar-te. Saberei rir: algo me ensinarão as flores despertadas e o barulho crescente das águas. Direi teu nome em letras de mercúrio, agasalhado em mil predições e estourarei como uma fruta. Darei teu nome aos vôos do vento, às embarcações que preparam êxtases, aos inexplicáveis marechais do horror. PREPARAÇÃO PARA A FUGA Partirei para o meu vale levando comigo apenas Camila e a recordação destes dias mastigados em sal, miséria, erosão. Irei habitar meu vale com meu coração intacto e minha presença fácil no afeto de suas águas. Pois em meu vale se traçam os raios do mais fino sol fazendo ricos os olhos de conterem o seu brilho. E a chuva, lá, corre grata pelos corpos que a recebem em amizade e ternura. É firme e manso o meu vale, dócil aos gestos confiantes, esperança de um sol posto sobre a mágoa cotidiana. Vale em que a minha brancura encontrará companhia no vôo fácil das aves e na música da brisa. Meu vale que se elabora subitamente da escura farinha de minha espera. Meu vale aberto em sossego, repouso azul de meus ossos, depósito de meu corpo cansado e entregado ao musgo. SAUDAÇÃO DO MUNDO NOVO Já vem o dia dos outros, dos que não serão pó. Dos que desvendam a aurora nas respiração do horror. Dos que têm claros dentes ou que transportam a morte no dorso resplandecente. Está chegando notícia no bojo de suas bocas de um novo dia rompendo com facas, pólvora e júbilo. De um novo pranto correndo, levando laranjas, ódio e sobremesas esféricas. CANÇÕES DE INTERVALO I Na hora seguinte, o silêncio correu como um fluxo entre teus braços braços, e a carícia partiu-se como um cristal. Na hora seguinte, amor foi chuva na boca, lenços aproximados para a tosse, movimentos excessivamente curtos para atingir o mar. Na hora seguinte, o ar foi morte e abandono e a febre batia asas nos pulsos das crianças. E veio um navio de cânticos e de mãos desguarnecidas pedindo mel e perdão. E veio um choro violento assaltar nossos sentidos voltados para o vazio. E a noite foi negra e branca inventando para nós as flores da compreensão. CANTO SILENCIOSO A ocasião chegou de estarmos sós em uma cega calma. Lentos fios desviram-se entre flores que são lágrimas caindo do terraço e amadurecendo com paciência e luz. Quantas vezes foram mãos servindo o café, lenta maldade deslizando entre o tempo e a xícara. São olhares tranqüilos, revestidos de uma gentil malícia, de um redondo desejo de ficar, de estar sempre ao alcance, de ser uma rede ou um espelho recolhendo teu rosto. Todos esperam. Forma-se o séquito das nucas, esperança minaz, gelo absurdo para conservar as fases do bailado. Uma alegria violenta alimenta-se dos punhos, das entregas, e são múltiplos caminhos que se enlaçam com dor. ilustrações Dorothy Bastos editora Massao Ohno ano 1963 |
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