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Poros

FIGURA

Esse sorriso justo, pontuado por vírgulas abstratas,
e no caminho, seguramente em cena, mira
o claro desejo: desmisturar-nos, por qual arte,
em meio a tanto. Mexer com esses relevos
subordinados ao fio da ausência. E o que se supõe
dispõe flores avulsas e laços de linguagem.


A ELA ADORMECIDA

Lento navio de teu corpo
dormindo a parte voltada
para dentro.
Teu sono digere a noite

e a outra metade espera
tal qual laranja cortada.
Arco-íris ao contrário,
todas as cores são bege.

Mesmo que tivesses asas
não dormirias tão largo,
em tal ausência.
Giras em torno das voltas
que te giram em torno. Entornas
a âncora das viagens
que te desenham na água.

Maravilhoso perigo
de tua forma precária.


E DE RESTO, GLAURA? TEM IDO AO CINEMA?

Arredondando as palavras
para dizer, por exemplo, que me ama,
sua boca explícita aprisiona irremediavelmente
este meu doce olhar,
que vai sonhando uma formação de beijos
aéreos em revoada para ninhos impossíveis. Divago, eu sei.
Perdoáveis como cascas de ovos, esses alheamentos
[momentâneos
não atrapalham tanto nosso relacionamento,
maduro, pausado,
idealizado de comum acordo para nos assentar tão bem.
Os pátios da academia nos verão passar amigos,
articulando aquele papo inteligente. Só às vezes
algum lampejar mais bobamente amoroso
bateria asas
" borboletreiramente "
anunciando às tontas um filme
prudentemente fora de cartaz.


MEDITAÇÃO

Se minha cabeça toma jeito,
não fica do mesmo jeito. Do mundo mesmo,
quero pouca coisa. Hoje, penso,
quase nada.
E um virar e desvirar de coisas internas.
Quase uma santidade, se for.
Do que passou, do que foi,
das coisas que aconteceram comigo,
parece que está tudo resolvido,
concluído, terminado,
perdoado. Problema, mesmo,
acho que não resta nenhum. Só carinho.


CÁ, ENTRE NÓS

Você me olhou. Só que isso,
você já sabe, me deixa gago,
embaraçado.
Feito a meada de que perco o fio.
Quanto mais encontrar agora a frase certa
e alerta
para tocar-te, sem perder o humor. Como acertar
o gesto, o dito que entre nós estabeleça
aquela transparência de corações
que seria algo tão bom, tão oportuno
neste momento, para algum
dos dois?




Antes de poder querer pousar
as mãos, selos precários, sobre a pele
difícil desta tarde,
já os olhos multiplicam por si mesma
esta paisagem, que se pôs alerta. O mergulho é tão vôo
e tão exato o prumo
que os perfis da folhagem se corrompem
para que sua cor, densa, se assanhe.
Amar, agora, se assemelha a um vento
forte e silencioso como a parte
que se cantasse desacompanhada
de uma canção, em pura voz, sem sequer o socorro
de qualquer som, que lhe desse matéria.


capa Moema Cavalcanti
projeto gráfico Silvia Massaro
desenhos Nuno Ramos
editora Livraria Duas Cidades
ano 1989








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